A nova lei do amor

Porque cada árvore é conhecida pelo seu próprio fruto;pois não se colhem figos de espinheiros,nem dos abrolhos se vindimam uvas.
O homem bom,do bom tesouro do seu coração tira o bem,e o homem mau de seu mau tesouro tira o mal;porque a boca fala daquilo que o coração está cheio.Lc.6-44/45.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Como professora de Língua Portuguesa, analiso aqui alguns problemas que identifico na proposta curricular da escola onde atuo,tomando como base:

Os PCNs de Ensino Médio – Linguagens, Códigos e suas Tecnologias – Língua Portuguesa e MCRs do SAEB – Descritores de Língua Portuguesa da 3ª série do Ensino Médio ...

Dentro dos PCNs (1999:140-1), os conhecimentos e as competências desenvolvidas nas áreas de linguagens são constituídos de forma contextualizada com as questões pessoais e da sociedade, de forma que possam dar continuidade aos estudos acadêmicos e aproveitáveis em programas de programas de preparação profissional seqüenciais ou concomitantes com o Ensino Médio, sejam eles cursos formais, seja a capacitação em serviço. As habilidades também são compreendidas no plano do aprender a fazer, o desenvolvimento de habilidades e estímulos ao surgimento de novas aptidões tornam-se processos essenciais, na medida em que, criam as condições necessárias para o enfrentamento das novas situações que se colocam.

Um fator interessante observado na análise dos documentos, assim como na proposta curricular do CIEP 480 onde atuo como professora; foi a forma como é visto o desenvolvimento das competências e habilidades básicas comuns nos PCNs (1999:36) que, além da garantia de democratização, servem de parâmetro para a avaliação da Educação básica em nível nacional. Embora apoiados no discurso democrático de reinterpretação e reconhecimento das diferenças culturais através do desenvolvimento de novos dispositivos pedagógicos, os PCNs acabam sendo também direcionados para as avaliações externas. Na medida em que tanto os PCNs quanto as MCRs se apoiam em competências e habilidades individuais acabam por reforçar o sucesso decorrente do esforço e da produtividade pessoal.

Ao comparar os PCNs com as propostas da escola (centrada nas Matrizes Curriculares de Referência (MCR) do SAEB – “alcance das metas propostas pelo governo”) pode-se observar que há uma diferença no nível dos conteúdos. Nos descritores de Língua Portuguesa desenvolvidos pelo SAEB (MCRs), observamos que cada unidade conteúdo é, detalhadamente, selecionada e organizada, dentro dos temas/tópicos dos conteúdos, observando os níveis de habilidades e competências envolvidas e a distribuição destas nos diferentes ciclos de avaliação. Existe,na escola que atuo, uma preocupação com se o aluno será ou não capaz de atingir o desempenho esperado nas avaliações.

Nos Parâmetros, as habilidades e competências a serem desenvolvidas em Língua Portuguesa não têm uma discrição tão minuciosa em termos de conteúdos. Nesse sentido, as habilidades e competência acabam por se propor mais a indicar os limites sem os quais os alunos de determinado nível teriam dificuldades para prosseguir nos estudos do que a definir conhecimentos a serem aprendidos. Fica notória a preocupação com a linguagem (vista aqui como base de todos os saberes e dos pensamentos pessoais), cujo estudo imporia um tratamento transdiciplinar no currículo.

A Língua Portuguesa, assim como as demais disciplinas dentro das Matrizes é vista como algo que se espera que o aluno seja capaz de ler/elaborar/apresentar/compreender/utilizar/etc...(cobrado insistentemente por nossos Orientadores Pedagógicos) ou seja, relaciona-se à idéia de capacitação. Ao contrário, os PCNs explicitam uma visão mais global do aluno que, mesmo contemplando conteúdos e estratégias de aprendizagem que capacitam o ser humano, se preocupa com a realização de atividades nos três domínios de ação humana: a vida em sociedade, a atividade produtiva e a experiência subjetiva, visando à integração no tríplice universo das relações políticas, do trabalho e da simbolização. (PCN, V.2: 33)

Entretanto, ainda que haja diferentes interesses, uma política educacional não pode se estabelecer com diretrizes tão antagônicas. Embora os caminhos percorridos e os procedimentos pareçam distintos, a lógica da busca por resultados claramente pré-definidos e da medida comparativa se mantém. Utilizando os PCNs ou pautando-se apenas nas MCR, nós(os professores) temos a obrigatoriedade de dar conta dos conteúdos, de forma a assegurar que os nossos alunos sejam capazes de atingir os objetivos das políticas educacionais.

Quando se tratar de distintos interesses, tanto os PCNs quanto as MCRs são construídas dentro das relações de hibridização e, com isso refletem diversos posicionamentos . Como afirmar Dussel, Tiramonti & Birgin (1998:134-5) os discursos curriculares têm sido estudados como híbridos que combinam distintas tradições e movimentos disciplinares, construindo coalizões que dão lugar a consensos particulares. No, entanto como reconhecem tais autoras a existência de algo novo (produzido através das novas experiências e direções àquelas que já estavam disponíveis previamente), a rapidez com que se perdem os marcadores originais destes discursos operam em função da produção de novos sentidos e novos sujeitos.

Concluindo...

Todo processo decorrente desses sistemas de avaliação, através das políticas educativas destinadas apenas a busca de resultados , como o próprio SAEB, serve para elucidar o papel de mercado da educação brasileira, que apenas promove uma construção curricular(selecionada e arbitrária de conteúdos escolares considerados “válidos”) que é indiferente a todo processo que envolve o ensino-aprendizagem, cujo cumprimento por professores e alunos será controlado pela avaliação nacional.

O discurso da qualidade presente em toda proposta curricular e também nos sistemas de avaliação está nitidamente baseado no produto, no resultado educacional, haja vista à ênfase dada aos processos de medição, padrões e indicadores. O apelo à qualidade aparece como palavra de ordem na justificativa das reformas curriculares e das políticas educacionais. Entretanto, o que se esquece é que, na busca da qualidade do ensino, agrupam-se os mais diferentes interesses, bastante opostos e contraditórios.

Referências Bibliográficas:

BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Brasília, Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Média e Tecnológica, 1999.

________ .Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio: Bases Legais. Brasília, Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Média e Tecnológica, 1999.

________. Matrizes Curriculares de Refer6encia para o SAEB/ Maria Inês Gomes de Sá Pestana et al. 2 ed. rev. ampl. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 1999.

DUSSEL, I., TIRAMONTI, G. & BIRGIN, A. Hacia una cartografia de la reforma curricular: reflexiones a partir de la descentralización educativa Argentina. In Revista de Estudios del Curriculum. V.1., nº 2, 1998 – pp. 132-161.

MOREIRA, A.F. & SILVA, T.T. Currículo, Cultura e Sociedade. São Paulo, Cortez, 1994.

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